sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Do sintetizador monofônico ao reactable

Hoje é meu aniversário. Quando eu nasci, Robert Moog e Herbert Deutsch ainda estavam melhorando o sintetizador e assim portanto, também estava nascendo a música eletrônica. Ainda quando éramos crianças, o grupo Emerson, Lake & Palmer fez a primeira utilização de um sintetizador em um show ao vivo (os que curtiam Beatles, não gostaram muito) mas o instrumento musical pegou. Até hoje, mais de 30 anos após sua criação, o sintetizador é confundido erroneamente com órgão eletrônico. A principal diferença é que o órgão possui uma quantidade limitada de timbres (sons) e um bom sintetizador possui diversas possibilidades de imitar sons, tais como vento, trovões, pássaros e ainda todos instrumentos musicais acústicos e elétricos como os de uma orquestra e uma guitarra elétrica (do Carlos Santana, acho que não dá). Enfim, dá para imitar virtualmente quase qualquer som, no filme guerra nas estrelas, Darth Vader falava com um sintetizador, a moda pegou! Rodrigo Santoro (ai!), no Filme 300 "fala" com o mesmo recurso.
Em churrascarias e casas de espetáculos, uma grande quantidade de músicos foi, e continua sendo substituída por este instrumento, prejudicando, infelizmente o cenário musical pelo mau uso do sintetizador.
A música é certamente considerado algo supérfluo para muitas pessoas, pois as matérias de primeira página em quase todos os jornais do planeta, preferem falar de outras matérias como política e tragédia. Entretanto, historicamente podemos perceber que sempre foi e muito provavelmente continuará sendo um elemento diretamente ligado à evolução dos povos. Vale a pena lembrar que nos últimos anos ela foi um fator determinante na globalização cultural, talvez a mais profunda e mais poderosa de todas as artes, ultrapassando idiomas e apoiando outras, como o cinema.
Um dos aspectos mais relevantes, entretanto, é no que diz respeito ao desenvolvimento tecnológico. Enquanto outras artes, como o teatro e a poesia, praticamente independem do estágio de evolução tecnológica, quase sempre a música requer algum instrumento para que possa ser transmitida ao público. Isso criou uma associação muito sólida entre a arte e a tecnologia.
Desde que foi descoberta, a eletricidade logo causou um fascínio a inúmeros cientistas que, rapidamente, inventaram formas variadas de aplicá-la, as primeiras tentativas de se utilizar a eletricidade para controlar sons deram-se ainda no século XVIII e pouco mais de cem anos depois, Alexander Graham Bell inventava o telefone. Depois, em 1907, surgiu a “válvula eletrônica”-triodo, criada por Lee De Forest, que chamou-a na época de Audion. Com a válvula, deu-se um impulso sem igual ao desenvolvimento de novos equipamentos utilizando a eletricidade, com o rádio e uma enorme variedade de aplicações de circuitos osciladores e amplificadores.
Surgia então na era da eletrônica o Theremin (uma espécie de gramofone) cujo funcionamento baseia-se no princípio do batimento de freqüências, descoberto no início da era do rádio: a combinação de duas freqüências altas (de rádio), uma delas variando, pode produzir uma freqüência mais baixa (de áudio). É um som monofônico, em que o músico pode alterar a nota e a intensidade, mas com um timbre fixo, mas não pode fazer acordes.
Nesta época ainda surgiu o trautonium (cujo original possuía um painel com um fio resistivo esticado por sobre um trilho metálico, marcado com uma escala cromática e acoplado a um oscilador e uma válvula. Ao se pressionar o fio, este tocava o trilho e fechava o circuito do oscilador, sendo que a posição do dedo no fio determinava o valor da resistência, que ajustava a freqüência de oscilação, dando a nota musical) e o primeiro sintetizador, com o conceito de reproduzir parâmetros, como freqüência e amplitude, controlados por um módulo eletrônico específico, e o gerenciamento do sistema completo era efetuado por um programa contido numa fita de papel perfurado. O equipamento usava válvulas, mas já possuía circuitos sofisticados para geração dos harmônicos, filtragem, geração de envoltória, modulação, mixagem etc.
A industria musical tratou de aproveitar o transistor, assim que ele surgiu dos laboratórios Bell (USA) em 1948 e lançou o Mellotron. O Mellotron possuía um teclado de 35 notas e utilizava um loop de fita sem-fim associado a cada tecla, contendo a gravação do instrumento naquela nota. As fitas eram de 3/8”, com três pistas, de forma que o músico podia selecionar um dos três timbres que estavam gravados nas fitas, que eram comercializadas com combinações de instrumentos diferentes, as limitações da fita magnética inerentes ao processo de reprodução de som apresentava os problemas com uma resposta de freqüência ruim, e muitos problemas mecânicos, desgaste de cabeças magnéticas e coisas do gênero. É considerado o primeiro “sampler”, e foi muito usado pelos principais grupos de rock progressivo da década de 1970.
Os sintetizadores construídos por Moog eram monofônicos e usavam o teclado como meio de controle (sem sensibilidade ao toque), e a configuração do timbre era feita conforme o tipo de interconexão dos diversos módulos, efetuada por cabos (“patch-cords”). É daí que vem o nome de “patch”, usado para designar a programação de timbres nos sintetizadores.
Não possuía um teclado, mas apenas um joystick e vários botões, e a interligação dos módulos era feita por pinos enfiados numa matriz no painel (posteriormente, o modelo VCS4 incorporou um teclado). Este instrumento foi usado pelo Pink Floyd e por muitos outros artistas daquela época.
Apareceram sintetizadores que ofereciam chips com módulos controlados por tensão: geradores de forma-de-onda (VCO), filtros (VCF) e geradores de envoltória (VCA). Vários fabricantes, adotaram esses chips em seus instrumentos. A partir daí, Oberheim construiu vários sintetizadores que utilizavam dois ou mais módulos SEM, permitindo assim a geração de duas ou mais notas simultâneas. Isso só foi possível porque a Oberheim utilizava em seus sintetizadores o teclado com varredura digital, fabricado pela E-mu. Surgiram, então, os primeiros sintetizadores polifônicos.
Prophet-5, produzido pela Sequential Circuits entre 1978 e 1984, que foi o primeiro sintetizador polifônico (5 vozes) programável e capaz de armazenar as programações de timbres na memória (40 programas). Desenvolvido por John Bowen e Dave Smith (este último foi um dos principais idealizadores do MIDI), A utilização de microprocessadores passou a ser cada vez mais intensa, e os instrumentos passaram a ter cada vez mais recursos. No início da década de 1980 surgiu então uma nova categoria de instrumentos musicais: o sampler, já com disquete,era controlado por dois microprocessadores Motorola 6800 e resolução de 8 bits, época de Peter Gabriel, The Alan Parsons project, Thomas Dolby, Stevie Wonder e Kate Bush.
Ainda que os processos inovadores, como a síntese FM, permitissem a criação de timbres impressionantes, o mercado cada vez mais pedia sons acústicos: piano, sax, cordas etc. Como os samplers eram caros e inacessíveis para a maioria dos músicos, a saída foi fazer instrumentos com várias amostras na memória, pré-sampleadas na fábrica (como o conceito do PPG). Nessa linha, surgiram então inúmeros instrumentos “sample-players” que predominam até hoje. Esses instrumentos possuem controle, geração e processamento do som totalmente digital, embora o processo de modelagem do timbre seja a síntese subtrativa (filtros etc). Ao fim da década de 1980 já havia muitos instrumentos digitais com timbres sampleados, dentre eles o Korg M1, que consolidou o conceito de workstation (sintetizador com seqüenciador), o E-mu Proteus, o Roland U-110, e alguns outros.
A fase atual, a partir de meados da década de 1990, vem sendo marcada pelo aprimoramento da qualidade das amostras sampleadas, graças ao barateamento das memórias digitais. Outra tendência é o retorno ao controle do som em tempo-real, praticamente impossível nos instrumentos que só tinham um visor e meia dúzia de botões: hoje, quase todos os sintetizadores vêm com botões rotativos ou deslizantes no painel, que dão ao músico a possibilidade de ajustar com precisão, e a qualquer momento, vários parâmetros do som que está sendo executado.
A nova geração de instrumentos musicais criou recentemente o sofisticado reacTIVision (que processa o vídeo recebido de uma câmera vídeo no computador e detecta as coordenadas cartesianas e rotatórias de fiducials num monitor de imagens) e o rectable.
O reactable é uma mesa translúcida redonda, usada em um ambiente escuro e aparece como uma exposição projetada. Sob a mesa translúcida está instalada uma câmera digital de vídeo, conectada à um computador e um projetor de vídeo também conectado, de forma que pode-se projetar o vídeo tanto do lado de baixo, quanto do lado de cima.
Sobre a mesa são colocados vários tipos funcionais de módulos, pequenos sintetizadores chamados tangibles (a freqüência áudio, VCOs, LFOs, VCFs e sequencers são alguns tangibles) que podem ser utilizados integrados ou separados. A maioria é liso, com o fiducial no lado de baixo e outros são cubos com fiducials unidos a diversos lados (um deles, chamado radar, é um disparador periódico de ondas, há outro que limita um VCO às notas de uma escala musical, por exemplo). Conectando-se os dispositivos, temos propriamente a exposição, com os tangibles sobre a mesa, vários símbolos aparecem, como waveformes (ondinhas), círculos, grades circulares ou linhas. Alguns símbolos mostram meramente o que o tangible está fazendo particularmente, outros podem ser usados pelo DJ (disk-jockey/ fingertip) para controlar o módulo respectivo.
Assim como na década de 1960 Emerson, Lake & Palmer se aventuraram num show usando o sintetizador, Björk inaugurou ao vivo seu show com o moderno reactable no dia 27 de abril de 2007. O melhor presente que eu poderia ganhar é um reactable (LOL!!!!!!).

Se você gosta de mim e não puder me dar um, não têm problema, basta você não deixar o rock morrer que já tá bom!
Além disso, aqui tem uma porção de dicas do meu gosto musical.

Um comentário:

Pedroso disse...

Boa noite, rapaz... Por algum acaso sabe de algum esquema elétrico de sintetizador de voz para ficar igual ao do darth vader?

Arquivo do blog

Einstein, Picasso e a quarta dimensão

No início do século 20, uma revolução ocorreu simultaneamente nas artes e nas ciências físicas. De um lado, Pablo Picasso destruiu a rigidez plástica na pintura, tentando, com o cubismo, expandir as possibilidades de representação de imagens tridimensionais em telas bidimensionais. Aproximadamente na mesma época, Albert Einstein destruiu a rigidez da concepção newtoniana de espaço e tempo, mostrando que medidas de distância e de tempo não são absolutas, independentes do estado de movimento de quem as faz, mas, sim, dependentes do movimento relativo entre observadores. Dada a proximidade nas datas (o quadro de Picasso "Les Demoiselles D'Avignon" é de 1907, e a teoria da relatividade especial de Einstein é de 1905), é natural se conjecturar que houve uma influência da física nas artes.Em recente livro, "Einstein, Picasso: Espaço, Tempo e a Beleza que Causa Confusão", Arthur I. Miller revisita esse tema, oferecendo uma explicação muito plausível para a aparente coincidência de datas. Segundo Miller, não houve, na verdade, uma influência direta entre os trabalhos de Einstein e de Picasso; ambos são partes de uma profunda transformação cultural que já ocorria no princípio do século, cujo foco maior de atenção era justamente o questionamento da natureza do espaço e da relação entre a realidade e sua percepção sensorial.Picasso tentou representar a totalidade de uma imagem, vista ao mesmo tempo de vários ângulos diferentes, como se o observador existisse em uma dimensão a mais, a quarta dimensão. Explico: imagine uma bola flutuando no espaço. Vemos a superfície dessa bola que, como toda superfície, tem duas dimensões. Mas nós sabemos que essa superfície é curva e não plana, como, por exemplo, o topo de uma mesa. Por quê? Porque vemos a bola em três dimensões. Sabemos que ela tem também um raio que define a distância entre a superfície da bola e o seu centro. Caso o raio variasse de ponto a ponto, isto é, se a distância entre os pontos na superfície e o centro não fosse fixa, a bola teria uma aspecto distorcido.Imaginemos, então, uma bola distorcida, como a superfície da Lua, repleta de crateras e montanhas, ou uma cabeça. De nossa perspectiva tridimensional, jamais poderemos captar a totalidade da bola: veremos apenas a parte que se encontra voltada para nós, e não a face oculta. Com o cubismo, Picasso tentou representar todos os aspectos de uma superfície, como se pudéssemos ver a frente e as costas de uma pessoa ao mesmo tempo, transformando-nos em observadores de uma quarta dimensão espacial.Já Einstein, em sua teoria da relatividade especial, mostrou que observadores com um movimento relativo entre si, por exemplo, uma pessoa em pé numa calçada e outra passando de carro, obterão resultados diferentes ao medirem distâncias e intervalos de tempo. Se a pessoa em pé na calçada estiver segurando uma régua de um metro na horizontal (medida por ela), a pessoa passando de carro verá essa régua um pouco mais curta. Não percebemos isso, pois esses efeitos só se tornam importantes a velocidades próximas da velocidade da luz, de 300 mil quilômetros por segundo.O oposto ocorre com o tempo: para o observador passando de carro, um relógio na mão da pessoa na calçada bate mais devagar, ou seja, a passagem do tempo dilata. Einstein concluiu que tempo e espaço são manifestações conjuntas da realidade física. Poucos anos mais tarde, ficou claro que a teoria da relatividade trata o tempo como uma dimensão a mais, em pé de igualdade com as três espaciais.Picasso e Einstein foram influenciados pelo matemático francês Henri Poincaré que, no início do século, propôs que a geometria descrevendo a realidade não era única. Picasso, através de seu amigo Maurice Princet, e Einstein, ao ler o livro "Ciência e Hipótese", publicado em alemão em 1904. Para ambos, a função da ciência e da arte é revelar a essência da realidade que se esconde por trás da limitada percepção sensorial. Mesmo que a quarta dimensão de Picasso seja diferente da de Einstein, nossa visão de mundo foi profundamente mudada por ambas.
MARCELO GLEISER da Folha de S.Paulo